Arlequim saltita pelas ruas, pulando pelos paralelepípedos rústicos, entoando músicas de canavais antigos e conversando com as lâmpadas do passeio. Carrega um sorriso no rosto que se espalha e retorce quando passa pelas poças de luz em meio à escuridão.
Ao fim da rua, vira-se de costas e inclina-se em grande reverência, os guizos do chapéu a quase tocar o chão. Descuidado, deixa cair um de seus broches, que fica semi-enterrado na areia e nas imundícies da estrada. Sem o notar, prossegue sua alegre peregrinação, transloucado e inebriado por não sei que bálsamo de amor.
Logo que dobra a esquina, surge Pantaleão, exalando álcool e outros fuidos impronunciáveis. Cambaleante, brada aos quatro ventos sua riqueza e seu poder.
Que poder?
Mal sabe ele...
Tropeça e vai ao chão como um saco de batatas. Um saco furado, diga-se de passagem, pois foi cair bem em cima do broche arlequinal. Senta-se xingando ainda mais alto, e é logo acudido pelo doutor, que, enfurnado em sua alcova, chega mesmo a ouvir a balbúrdia por sobre os gemidos de sua acompanhante.
O que fará ele?
Nem ele sabe.
O próximo a acudir é Polichinelo que, às voltas da casa do doutor, espera pelas sobras. Seus olhos brilham diante da agulha afiada do broche. Acha que ela é o único meio de resolver seus infortúnios.
Mas que infortúnios?
Não se recorda.
Parece que foi à tanto... Logo ele é o único que aparenta não se lembrar. Curvado assim sobre o acidentado, lambe os beiços ruidosamente enquanto enxerga as pequenas manchas vermelhas na camisa de Pantaleão.
E eis que vem lá! Quem? É ela, Colombina. Vem linda e graciosa, olhando enamorada as estrelas que quase não brilham, ofuscadas que são pelas luzes metropolitanas. Ao se aproximar, os homens se afastam, absortos demais em seu infortúnio para aperceberem-se de sua preseça.
Para no meio da rua, olhando para cima e para os lados, subtamente consciente de sua solidão. É então que, como quem não quer nada, por mero jogo do destino, desvia o olhar para o chão. Vê então um pequeno broche, com a ponta afiada e vermelha projetando-se da areia da rua.
Com sua mão branca e delicada, ergue o broche, e pela primeira vez desde o início de nossa história, vira-o para ver a jóia. Não é jóia de verdade. Mas é belo. Como um universo inteiro.
Prende-o no vestido e assobia uma musiquinha alegre.
Que fará em seguida?
Ela sabe.
É a única que sabe.
Arlequim.
do broche encantado
Saturday, December 24, 2005
Subscribe to:
Posts (Atom)