Deslizam avidamente por seus dedos brancos e lisos os grãos de areia daquele lugar. Nenhum se aloja pelos labirintos de sua palma. Só resta uma poeira fina e clara.
Limpando as mãos no sobretudo de veludo vinho, olha em volta satisfeito consigo mesmo e, acima de tudo, satisfeito com suas novas abotoaduras douradas. Passa as mãos pelos cabelos de um jeito que faz com que a luz reflita nas jóias de seus anéis. Gosta do efeito.
Com as mãos na cintura, caminha displicente, esbarrando propositalmente aqui e ali, curvando-se um pouco mais do que o necessário para as pequenas, sorrindo ironicamente para os cavalheiros. Joga duas moedas para alguns mendigos.
Caminhando pela rua mais famosa da cidade, chega logo nos degraus de sua porta da frente. Deixando o sobretudo no cabideiro, sobe as escadas até a sala de almofadas, seu pequeno lugar secreto.
Ele adora o toque das superfícies sedosas sobre sua pele, embora elas passem tão rápido. Sai de casa novamente.
Precisa ser admirado.
Logo a frente vê uma menina, graciosa e esperta, com um olhar malicioso. Oh, céus! Aos pés dela, a escória.
Não pode ser visto pela escória.
Vira-se subitamente para a esquerda, tomando um atalho por um beco. Lá, no escuro, tropeça e cai.
E quebra-se.
Em
pe
que
nos
ca
cos.
Onde ninguém mais pode vê-lo.
Pantaleão.
Wednesday, January 23, 2008
Friday, December 21, 2007
Lua
Pequenos pulos - sim, esses! - que aterrisam em pedras soltas e fazem com que ela perca o equilíbrio por uns instantes. Abrindo os braços - ah! espalhafatosa! - reganha o equilíbrio para prosseguir, ruborizada.
Quem diria que ela - tão zombeteira e segura de si - seria aquela que, distraída, soltasse sorrisos à meia-boca para ninguém.
Continua com seus passos alegres que mais parecem pulinhos, até notar que, sem querer, acabou chegando na lua e não sabe mais como voltar. Ah, que infortúnio! Como poderá novamente achar a fonte de sua alegria?
Andando pelas crateras, passando por todos aqueles bichos-de-lua, escorregando sôfrega por sobre os mares congelados, triste, muito triste. As lágrimas descem-lhe em turbilhões que ela afasta, impaciente, e acabam voando como gotas redondas quase paradas no ar.
Parou, debaixo de uma árvore lunar, e encostou a testa no tronco, pensativa. Como foi deixar que alguém lhe fizesse perder assim o rumo?
De repente, ouviu vozes.
E acabou chegando a uma taverna da lua. Onde descobriu que estavam todas as pessoas que vale a pena se encontrar. Inclusive aquela pessoinha.
Sim, aquela.
Colombina.
Quem diria que ela - tão zombeteira e segura de si - seria aquela que, distraída, soltasse sorrisos à meia-boca para ninguém.
Continua com seus passos alegres que mais parecem pulinhos, até notar que, sem querer, acabou chegando na lua e não sabe mais como voltar. Ah, que infortúnio! Como poderá novamente achar a fonte de sua alegria?
Andando pelas crateras, passando por todos aqueles bichos-de-lua, escorregando sôfrega por sobre os mares congelados, triste, muito triste. As lágrimas descem-lhe em turbilhões que ela afasta, impaciente, e acabam voando como gotas redondas quase paradas no ar.
Parou, debaixo de uma árvore lunar, e encostou a testa no tronco, pensativa. Como foi deixar que alguém lhe fizesse perder assim o rumo?
De repente, ouviu vozes.
E acabou chegando a uma taverna da lua. Onde descobriu que estavam todas as pessoas que vale a pena se encontrar. Inclusive aquela pessoinha.
Sim, aquela.
Colombina.
Saturday, April 28, 2007
Dor
Semi-enterrado no chão, apenas parcialmente consciente do que o rodeia, busca no movimento das folhas das arvores algum alento à aflição. Sabe que não vai encontra-lo em folhas, mas em algumas palavras que nunca foram ditas. Mantem as pupilas dilatadas, fixas em algum ponto invisível, o que faz com que o vento oscile a paisagem para dentro e para fora de seu campo de visão. Não se mexe porque tem medo de sofrer.
Imerso em um estado de letargia onde tudo que ganha espaço é a dor. Não tremula os lábios. Não chora. Não aperta os dedos. Não desvia o olhar. Até sua respiração é débil e nem sequer faz vapor no ar frio.
Não consegue pensar. Apenas sente a dor vindo em ondas grandes demais para se manifestarem fisicamente. No fundo ele sabe que não pode fazer nada para sentir-se melhor, para que seja perdoado, para que tudo volte a ser belo. Mas esta idéia não chega a ser formulada.
Depois de um tempo chora, mas não pisca para as lagrimas irem embora. Deixa que elas achem seu caminho depois de turvarem-lhe a visão, fazendo com que as estrelas se embaralhem numa massa sem luz.
Pierrot
Imerso em um estado de letargia onde tudo que ganha espaço é a dor. Não tremula os lábios. Não chora. Não aperta os dedos. Não desvia o olhar. Até sua respiração é débil e nem sequer faz vapor no ar frio.
Não consegue pensar. Apenas sente a dor vindo em ondas grandes demais para se manifestarem fisicamente. No fundo ele sabe que não pode fazer nada para sentir-se melhor, para que seja perdoado, para que tudo volte a ser belo. Mas esta idéia não chega a ser formulada.
Depois de um tempo chora, mas não pisca para as lagrimas irem embora. Deixa que elas achem seu caminho depois de turvarem-lhe a visão, fazendo com que as estrelas se embaralhem numa massa sem luz.
Pierrot
Monday, April 09, 2007
Retribuição Divina.
Um apelo, meus caros, pela desmarginalização da classe mais segregada e mal vista pela sociedade ordinária. As palavras.
¦3
~ ~ ~ ~
-Conheço a sensação de estar com os dedos ressecados, tão ressecados que sinto as cristas das pontas de meus dedos saltando para os abismos de meus joelhos. Conheço a sensação de ter os olhos fastidiosos, mas sem bocas para poderem sorver, nem ao menos capazes de se lamberem, oceanos da alma. Reconheço a sensação de observar-lhe vomitando palavras... e quando as vejo assim, pueris, nuas de sentido: meus olhos ressecam ainda mais para chorar-lhes um significado - que tu as negas ! -
Com os olhos revirados entre os limites orbitais, esparrama-se no trono em que se encontra, abre a boca, retorcida pela chicotada de suas bochechas zombeteiras, não sorri. Com os dedos flutuando, projetados pelo encosto dos pulsos, toca uma melodia nas cordas imaginárias de seu piano sem teclas. Aos seus pés dançam as ondas de um oceano de imaginação, reflexo de seu teto onde só existe o zênite: pois ignora o que circunda o vasto atro, já que seus olhos só observam o que há a frente. Em sua túnica miríade de sons conduzem os tecidos em amplitudes desconhecidas, pois sua sonoridade é exótica como o aroma de seus cabelos ~ incenso de Arlequim ~ .
- Ovacionar a insanidade é imperativo, meus caros. Quando caminhamos entre os sons as palavras não conseguem configurar meu epíteto - fogem irrequietas ou enrubescem-se ao meu toque - Apresento-me, faltando um pedaço de mim mesmo, para que me reconheçam por completo em momento futuro!
O ato de se levantar tornou-se tão subjetivo e peculiar neste momento que seria impossível descrever o movimento executado. O fato, apenas, é: houve uma reverência indolente.
Hybrid Persona.
¦3
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-Conheço a sensação de estar com os dedos ressecados, tão ressecados que sinto as cristas das pontas de meus dedos saltando para os abismos de meus joelhos. Conheço a sensação de ter os olhos fastidiosos, mas sem bocas para poderem sorver, nem ao menos capazes de se lamberem, oceanos da alma. Reconheço a sensação de observar-lhe vomitando palavras... e quando as vejo assim, pueris, nuas de sentido: meus olhos ressecam ainda mais para chorar-lhes um significado - que tu as negas ! -
Com os olhos revirados entre os limites orbitais, esparrama-se no trono em que se encontra, abre a boca, retorcida pela chicotada de suas bochechas zombeteiras, não sorri. Com os dedos flutuando, projetados pelo encosto dos pulsos, toca uma melodia nas cordas imaginárias de seu piano sem teclas. Aos seus pés dançam as ondas de um oceano de imaginação, reflexo de seu teto onde só existe o zênite: pois ignora o que circunda o vasto atro, já que seus olhos só observam o que há a frente. Em sua túnica miríade de sons conduzem os tecidos em amplitudes desconhecidas, pois sua sonoridade é exótica como o aroma de seus cabelos ~ incenso de Arlequim ~ .
- Ovacionar a insanidade é imperativo, meus caros. Quando caminhamos entre os sons as palavras não conseguem configurar meu epíteto - fogem irrequietas ou enrubescem-se ao meu toque - Apresento-me, faltando um pedaço de mim mesmo, para que me reconheçam por completo em momento futuro!
O ato de se levantar tornou-se tão subjetivo e peculiar neste momento que seria impossível descrever o movimento executado. O fato, apenas, é: houve uma reverência indolente.
Hybrid Persona.
Monday, April 02, 2007
Viajante
Os troncos retorcidos exalam cheiro de marfim. Quem caminha por lá já aprendeu que tudo depende de um bocado de sorte. E de algo mais. Ele sabe, você não. Ele já passou pelo bosque alguns bons bocados de vezes, cada uma delas achando um caminho diferente. São sim as suas trilhas que serpenteiam selvagemente em meandros, confundindo viajantes. Quem o tenta seguir, é tragado por sua maldição.
Ele não enxerga as próprias trilhas.
Apenas tenta em vão achar o final daquele monte de árvores. Mas não consegue, pois não vê o quão óbvio é seu erro. Você sabe, ele não. Ele continua um desbravador, tendo orgulho de suas frustrações, como algum tipo de cobra que não existe de verdade, que se alimenta do próprio veneno, mas ao mesmo tempo é envenenada.
Claro que não existe nada assim, pensa.
E abana a mão como que para dispensar a idéia. A ideiazinha faz uma pequena reverência e sai correndo apressada, meio aos pulinhos, passando pelos caminhos que seu dono não passou e, eventualmente, achando a saída. O desbravador segue em frente.
Depois para oeste.
Um dia achará a saída de seu dilema. Será? Ele não sabe, você também não. Mas...
Há quem saiba.
Pierrot, perdido em si mesmo.
Ele não enxerga as próprias trilhas.
Apenas tenta em vão achar o final daquele monte de árvores. Mas não consegue, pois não vê o quão óbvio é seu erro. Você sabe, ele não. Ele continua um desbravador, tendo orgulho de suas frustrações, como algum tipo de cobra que não existe de verdade, que se alimenta do próprio veneno, mas ao mesmo tempo é envenenada.
Claro que não existe nada assim, pensa.
E abana a mão como que para dispensar a idéia. A ideiazinha faz uma pequena reverência e sai correndo apressada, meio aos pulinhos, passando pelos caminhos que seu dono não passou e, eventualmente, achando a saída. O desbravador segue em frente.
Depois para oeste.
Um dia achará a saída de seu dilema. Será? Ele não sabe, você também não. Mas...
Há quem saiba.
Pierrot, perdido em si mesmo.
Thursday, March 29, 2007
Flocos de neve
Vestido de branco, como sempre, ele avança metamorfoseando-se com a paisagem. Estende a língua para abraçar os flocos que voam e tenta sentir a individualidade deles se derretendo e misturando-se com sua vida. Imagina que consegue, mas no fundo sabe que não.
Levanta o dedo indicador e com delicadeza imagina estar tocando uma folha macia. A árvore rapidamente transforma-se em um corpo humano. Agora toca uma face macia.
Sacode a cabeça e segue em frente.
Seus pés afundam-se na neve pastosa, mas ele acha bom. Ouvindo atentamente, percebe que o vento lhe diz algo, mas prefere ignorar. A solidão lhe agrada por assegurar que está só.
Apesar de saber que solidão é relativo.
Apesar de saber que cada floco é alguém, que a pastosidade da neve é apenas uma sensação, e que a memória da árvore... é apenas uma memória.
Pierrot.
Levanta o dedo indicador e com delicadeza imagina estar tocando uma folha macia. A árvore rapidamente transforma-se em um corpo humano. Agora toca uma face macia.
Sacode a cabeça e segue em frente.
Seus pés afundam-se na neve pastosa, mas ele acha bom. Ouvindo atentamente, percebe que o vento lhe diz algo, mas prefere ignorar. A solidão lhe agrada por assegurar que está só.
Apesar de saber que solidão é relativo.
Apesar de saber que cada floco é alguém, que a pastosidade da neve é apenas uma sensação, e que a memória da árvore... é apenas uma memória.
Pierrot.
Wednesday, March 28, 2007
Gotas de água
Sentado à mesa, observa a pele morena em contraste à brancura do papel. Tensiona os músculos dos dedos, observando o desenho intricado das rugas que se refaz a cada movimento. Percebe que se olhar de um certo ângulo, sua mão esquerda tem gosto de melancia.
É de tarde. Anos antes estaria trabalhando nesse horário, mas agora já não precisa mais. Levanta-se e arrasta os chinelinhos cor de vinho até o banheiro, onde liga a água e espera a banheira encher. Despido, enfia só os dedinhos do pé direito, testando a temperatura.
Vapor sobe da água quente, embaçando os espelhos. Ele gosta disso.
Senta-se e relaxa os músculos, brincando de sentir a superfície da água na palma da mão. Não precisa mais dela para enrugar os dedos.
O sabão com cheiro de lavanda tem um toque suave. Já o xampu tem cheiro de dor-de-cotovelo.
Puxa a tampa do ralo, medindo com o dedo o nível da água a cada vez que ela baixa. Sozinho, observa seu corpo nu jogado ali na banheira. Agarra-se com força na beirada e tenta erguer-se. Cai sentado. Suspira fundo e tenta de novo. Agora, já em pânico, consegue juntar a pouca adrenalina do seu organismo já usado, e levanta-se com dificuldade.
Sua mulher nunca está em casa.
Quantas vezes mais será que ele consegue?
Pantaleão. Sempre sozinho, velho e rico.
É de tarde. Anos antes estaria trabalhando nesse horário, mas agora já não precisa mais. Levanta-se e arrasta os chinelinhos cor de vinho até o banheiro, onde liga a água e espera a banheira encher. Despido, enfia só os dedinhos do pé direito, testando a temperatura.
Vapor sobe da água quente, embaçando os espelhos. Ele gosta disso.
Senta-se e relaxa os músculos, brincando de sentir a superfície da água na palma da mão. Não precisa mais dela para enrugar os dedos.
O sabão com cheiro de lavanda tem um toque suave. Já o xampu tem cheiro de dor-de-cotovelo.
Puxa a tampa do ralo, medindo com o dedo o nível da água a cada vez que ela baixa. Sozinho, observa seu corpo nu jogado ali na banheira. Agarra-se com força na beirada e tenta erguer-se. Cai sentado. Suspira fundo e tenta de novo. Agora, já em pânico, consegue juntar a pouca adrenalina do seu organismo já usado, e levanta-se com dificuldade.
Sua mulher nunca está em casa.
Quantas vezes mais será que ele consegue?
Pantaleão. Sempre sozinho, velho e rico.
Grãos de areia
Arlequim passa distraído, mordiscando pedaços de um coração e soltando suspiros de céu azul enquanto procura por sinais de civilização. Anda em círculos na areia fofa, fazendo com que suas pegadas se somem às da volta anterior.
Assim não se sente só.
Aos poucos as pegadas vão sumindo, tragadas por algum capricho de algum deus da areia, que quer que nosso heróis sinta-se totalmente só, totalmente desamparado. Talvez ele queira que Arlequim perca seu sorriso presunçoso, que sinta-se abandonado e preso na única força da natureza que não pode evitar. Ou talvez ele simplesmente colecione pegadas.
Lá não venta.
Os suspiros agora não são mais azuis, e levantam uma camada fina dos gãos de areia, aquela fumacinha que desenha espirais onde antes era liso. A areia em que senta agora não é mais aquela que pisou. O céu está mais longe.
Então ele entala.
Como é angustiante viver em uma ampulheta anil!
Arlequim.
Assim não se sente só.
Aos poucos as pegadas vão sumindo, tragadas por algum capricho de algum deus da areia, que quer que nosso heróis sinta-se totalmente só, totalmente desamparado. Talvez ele queira que Arlequim perca seu sorriso presunçoso, que sinta-se abandonado e preso na única força da natureza que não pode evitar. Ou talvez ele simplesmente colecione pegadas.
Lá não venta.
Os suspiros agora não são mais azuis, e levantam uma camada fina dos gãos de areia, aquela fumacinha que desenha espirais onde antes era liso. A areia em que senta agora não é mais aquela que pisou. O céu está mais longe.
Então ele entala.
Como é angustiante viver em uma ampulheta anil!
Arlequim.
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