Saturday, April 28, 2007

Dor

Semi-enterrado no chão, apenas parcialmente consciente do que o rodeia, busca no movimento das folhas das arvores algum alento à aflição. Sabe que não vai encontra-lo em folhas, mas em algumas palavras que nunca foram ditas. Mantem as pupilas dilatadas, fixas em algum ponto invisível, o que faz com que o vento oscile a paisagem para dentro e para fora de seu campo de visão. Não se mexe porque tem medo de sofrer.

Imerso em um estado de letargia onde tudo que ganha espaço é a dor. Não tremula os lábios. Não chora. Não aperta os dedos. Não desvia o olhar. Até sua respiração é débil e nem sequer faz vapor no ar frio.

Não consegue pensar. Apenas sente a dor vindo em ondas grandes demais para se manifestarem fisicamente. No fundo ele sabe que não pode fazer nada para sentir-se melhor, para que seja perdoado, para que tudo volte a ser belo. Mas esta idéia não chega a ser formulada.

Depois de um tempo chora, mas não pisca para as lagrimas irem embora. Deixa que elas achem seu caminho depois de turvarem-lhe a visão, fazendo com que as estrelas se embaralhem numa massa sem luz.

Pierrot

Monday, April 09, 2007

Retribuição Divina.

Um apelo, meus caros, pela desmarginalização da classe mais segregada e mal vista pela sociedade ordinária. As palavras.

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-Conheço a sensação de estar com os dedos ressecados, tão ressecados que sinto as cristas das pontas de meus dedos saltando para os abismos de meus joelhos. Conheço a sensação de ter os olhos fastidiosos, mas sem bocas para poderem sorver, nem ao menos capazes de se lamberem, oceanos da alma. Reconheço a sensação de observar-lhe vomitando palavras... e quando as vejo assim, pueris, nuas de sentido: meus olhos ressecam ainda mais para chorar-lhes um significado - que tu as negas ! -

Com os olhos revirados entre os limites orbitais, esparrama-se no trono em que se encontra, abre a boca, retorcida pela chicotada de suas bochechas zombeteiras, não sorri. Com os dedos flutuando, projetados pelo encosto dos pulsos, toca uma melodia nas cordas imaginárias de seu piano sem teclas. Aos seus pés dançam as ondas de um oceano de imaginação, reflexo de seu teto onde só existe o zênite: pois ignora o que circunda o vasto atro, já que seus olhos só observam o que há a frente. Em sua túnica miríade de sons conduzem os tecidos em amplitudes desconhecidas, pois sua sonoridade é exótica como o aroma de seus cabelos ~ incenso de Arlequim ~ .

- Ovacionar a insanidade é imperativo, meus caros. Quando caminhamos entre os sons as palavras não conseguem configurar meu epíteto - fogem irrequietas ou enrubescem-se ao meu toque - Apresento-me, faltando um pedaço de mim mesmo, para que me reconheçam por completo em momento futuro!

O ato de se levantar tornou-se tão subjetivo e peculiar neste momento que seria impossível descrever o movimento executado. O fato, apenas, é: houve uma reverência indolente.

Hybrid Persona.

Monday, April 02, 2007

Viajante

Os troncos retorcidos exalam cheiro de marfim. Quem caminha por lá já aprendeu que tudo depende de um bocado de sorte. E de algo mais. Ele sabe, você não. Ele já passou pelo bosque alguns bons bocados de vezes, cada uma delas achando um caminho diferente. São sim as suas trilhas que serpenteiam selvagemente em meandros, confundindo viajantes. Quem o tenta seguir, é tragado por sua maldição.

Ele não enxerga as próprias trilhas.

Apenas tenta em vão achar o final daquele monte de árvores. Mas não consegue, pois não vê o quão óbvio é seu erro. Você sabe, ele não. Ele continua um desbravador, tendo orgulho de suas frustrações, como algum tipo de cobra que não existe de verdade, que se alimenta do próprio veneno, mas ao mesmo tempo é envenenada.

Claro que não existe nada assim, pensa.

E abana a mão como que para dispensar a idéia. A ideiazinha faz uma pequena reverência e sai correndo apressada, meio aos pulinhos, passando pelos caminhos que seu dono não passou e, eventualmente, achando a saída. O desbravador segue em frente.

Depois para oeste.

Um dia achará a saída de seu dilema. Será? Ele não sabe, você também não. Mas...

Há quem saiba.

Pierrot, perdido em si mesmo.