Saturday, December 24, 2005

O Broche

Arlequim saltita pelas ruas, pulando pelos paralelepípedos rústicos, entoando músicas de canavais antigos e conversando com as lâmpadas do passeio. Carrega um sorriso no rosto que se espalha e retorce quando passa pelas poças de luz em meio à escuridão.

Ao fim da rua, vira-se de costas e inclina-se em grande reverência, os guizos do chapéu a quase tocar o chão. Descuidado, deixa cair um de seus broches, que fica semi-enterrado na areia e nas imundícies da estrada. Sem o notar, prossegue sua alegre peregrinação, transloucado e inebriado por não sei que bálsamo de amor.

Logo que dobra a esquina, surge Pantaleão, exalando álcool e outros fuidos impronunciáveis. Cambaleante, brada aos quatro ventos sua riqueza e seu poder.

Que poder?

Mal sabe ele...

Tropeça e vai ao chão como um saco de batatas. Um saco furado, diga-se de passagem, pois foi cair bem em cima do broche arlequinal. Senta-se xingando ainda mais alto, e é logo acudido pelo doutor, que, enfurnado em sua alcova, chega mesmo a ouvir a balbúrdia por sobre os gemidos de sua acompanhante.

O que fará ele?

Nem ele sabe.

O próximo a acudir é Polichinelo que, às voltas da casa do doutor, espera pelas sobras. Seus olhos brilham diante da agulha afiada do broche. Acha que ela é o único meio de resolver seus infortúnios.

Mas que infortúnios?

Não se recorda.

Parece que foi à tanto... Logo ele é o único que aparenta não se lembrar. Curvado assim sobre o acidentado, lambe os beiços ruidosamente enquanto enxerga as pequenas manchas vermelhas na camisa de Pantaleão.

E eis que vem lá! Quem? É ela, Colombina. Vem linda e graciosa, olhando enamorada as estrelas que quase não brilham, ofuscadas que são pelas luzes metropolitanas. Ao se aproximar, os homens se afastam, absortos demais em seu infortúnio para aperceberem-se de sua preseça.

Para no meio da rua, olhando para cima e para os lados, subtamente consciente de sua solidão. É então que, como quem não quer nada, por mero jogo do destino, desvia o olhar para o chão. Vê então um pequeno broche, com a ponta afiada e vermelha projetando-se da areia da rua.

Com sua mão branca e delicada, ergue o broche, e pela primeira vez desde o início de nossa história, vira-o para ver a jóia. Não é jóia de verdade. Mas é belo. Como um universo inteiro.

Prende-o no vestido e assobia uma musiquinha alegre.

Que fará em seguida?

Ela sabe.

É a única que sabe.

Arlequim.
do broche encantado

Saturday, November 19, 2005

Adorável Rosto Branco.

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O amor é o grande poeta dos desajustados, tece através do olhar dos amantes as belas poesias, as melodias afônicas que embalam o coração dos que são ligados por laços que transcendem as palavras e os sentimentos.
O momento em que nossos olhos encontraram-se o amor ruborizou, teceu a mais bela melodia, fez os corações inflamarem-se, e ufano sibilou palavras de copiosa extremosidade, fez o universo suspirar a inveja do hálito dos amantes.
Ah minha amada, há coisas que não preciso saber para te amar, há momentos em que os seus olhos brilhantes libertam-me da peia que me prende a você, os grilhões que não quero desprender, a beleza das mentiras que me prendem nesse mundo onde o limite é apenas o que sinto, esse lugar de infinita tentação, onde eu ajoelho e rezo pelo fim da ilusão.

Se deseja. Liberta-me dessa prisão.Se me queres, prende-me eternamente em seu coração. Belo dia, para uma simples melodia.

Canta-me o amor - na surdez de minha impaciência -as belezas dessa emoção.

Que meu rosto branco nunca mais venha a chorar.

Até mais ver, até o breve ressonar. Pierrô.

Thursday, November 17, 2005

Misterioso Prazer !!

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Olhem só como minhas mãos são macilentas e calejadas, mãos assim são mãos fatais, mãos que já tocaram com carinho a face da morte. Encarar seus atros olhos por uma única vez muda o semblante de um mancebo ou rapariga eternamente, mas, alguém que coaduna com a donzela negra fica com rubra marca bruxuleante na alma.

Essa marca é um sinal, para que todos saibam que eu sou alguém que amou profundamente e profundamente foi amado, alguém que envolveu-se incompreensívelmente com o próprio egoísmo, alguém que avantajou-se perante a humanidade ignóbil. Uma pessoa que agora paira acima da vida ou da morte, aquele que regozija-se em sentir o toque cálido, suave e perfumado da bela donzela vermelha, a maculada virgem que insiste em cobrir-lhe o corpo com sua pele delgada nas noites lúgubres.

Olhem bem para o céu azul, em meus olhos o céu apenas é o reflexo de meu coração, um ocaso de crueldade colorido com o negro do meu destino. A hipocrisia do sorriso que ostento é maior que o vazio que me vai no peito.

Vejam essa mãos e como as colunas de meus dedos são portentosas, são as mãos de um pai sábio, que por amor a criança querida cantou uma canção de beleza, que lançou o pequeno ser admirado nos belos cabelos de um mundo onírico. Minha adorada família, o mundo é cruel demais para tê-los, sublimes presenças. Farão parte de um céu estrelado que cobre as órbitas dos meus olhos negros que imortalmente derramam lágrimas de pecado. Viverei em resignação, liberto do meu simulacro secular, onde a vida e a morte se prostrarão para que eu sobre elas possa caminhar.

Sim, querida família... As vezes meus lábios, esses portões da vergonha não conseguem conter essa gargalhada, a gargalhada que ecoa do meu imo, por dizer tantas bobagens.

Boa noite, Bela noite, Ah um prazer !

Essa noite convidarei a donzela rubra a comigo vir gozar a valsa da paixão, e só então, liberta-la-ei de sua prisão.

Atenciosamente, até a próxima dança.

Polichinelo.

Corda bamba

Pantaleão que não se vê enganado pelo belo ser que diz-lhe ser seu. Mas quem sabe o que dirá a outrém?

Pantaleão apaixonado por uma bela máscara. Quem é ela? Ela diz ser sua. Mademoiselle Colombina?

Como não poderia sê-lo? Um doutor tão bem apessoado como monsieur Pantaleão, decerto arranca suspiros de jovens sete vezes mais bels que a pequena Colombina. Que a bela Colombina.

Doutor? Não, este é outro. É aquele cavalheiro de alta cartola e bengala, vê? Doutor de quê? Quem foi que ele curou?

Silêncio.

Pantaleão caminha pelo mundo dando pulinhos ocasionais de regozijo e assobiando uma musiquinha alegre que dedica à sua amad. À imaculada Colombina.

Pantaleão equilibra-se na corda bamba. Acha que sabe onde vai, mas não tem noção do perigo. A corda, na verdade, só conduz a um destino. Teria ele alguma escolha, senão pular?

Ao final da corda, no mastro, do outro lado, Colombina o espera com malabares de bolas coloridas. À amarela, sorri e chama Pantaleão. À branca, escarneia e joga ao chão. Toma a vermelha entre os dedos e, voluptuosa, tasca-lhe um beijo. Que fez partir-se a corda de Pantaleão, que, desamparado, cai.

Os tambores rufam.

Será que Pantaleão ainda há de erguer-se?

Colombina sorri. A cruel Colombina.

Pantaleão.
que quer ser enganado

Wednesday, November 09, 2005

Nova Carta

O que acontece quando uma nova carta é tirada do monte?

Os valetes, em frenesi, preocupam-se em manter seus privilégios sobre a realeza, sempre estremecendo diante da possibilidade de serem sobrepujado por um ser estranho, algo que não conhecem. Porque tudo o que não conhecem é inferior.

Já as damas agitam-se mais com o recém-chegado. As de negro cochicham entre si com colhares furtivos.
"Por que algumas pessoas se vestem de preto?"
Já as damas de vermelho, mais atrevidas, não medem esforços em fazerem-se notar. Porque nunca valorizam o que já têm consigo, querem sempre o mais novo. (quanto a elas, prefiro velar-me em minha negra simpatia e abster-me de mais comentários)

Os reis, envoltos em seu explêndido manto de consciência de sua própria competência, nem notam que suas capas têm muitos centímetros a mais, e criticam logo as vestes prosaicas na carta nova.

Quem é o rei de um baralho de quatro naipes?

Só um curinga sobressai-se na multidão. Sem naipe, sem números ou letras. Nada a mais que os outros. É só diferente. Talvez tenha nascido assim.

É como o arlequim. Com guizos e cores, ri da vida e troça da futilidade que faz o mundo girar. É o louco. E é louco porque sabe o porquê de o mundo girar.

Só que as pessoas se recusam a ouvir.

Arlequim este que, recém tirado do baralho sorri para a vida, mas estremece diante da morte. E vira um pierrot. Perdidamente apaixonado e tolo por sê-lo, mesmo sabendo que seu amor é impossível. Porque mesmo sendo pierrot, ainda lembra-se da razão de tudo. Ou da maior parte, pelo menos.

Só esqueceu-se de como não temer a morte. E por isso afoga-se em desespero diante da possibilidade de perder quem lhe é querido. E, desesperado, abraça contra si a última carta do baralho, aquela que ameaça ser levada pelo vento, mas que lhe é mais amada.

Que os jogos comecem.

Pierrot.

Saturday, November 05, 2005

Apresentação.

Aqui se escreve, aqui se lê, aqui se pensa, e se manifesta. Mas quem? o quê? por quê?
Quem é você que derrama sobre as páginas pensamentos vagos, que sublima em palavras o que não consegue expressar por ações? por tras desta pusilanimidade evola-se uma personagem sem rosto, sem manifestação sexual. Uma personagem apenas transcendental.
Apenas uma pessoa - ou várias - que pode como um cubo mostrar-se sob vários aspectos, e através de cada face manifesta-se a mentira, mas não apenas a mentira, cada face urge, também, a verdade.
Nesse dédalo de emoções percorrem como líquido vil todos esses semblantes, rolando como água, sorrindo e gritando ao mesmo tempo com os inúmeros lábios da realidade.
O motivo? quem sabe?
Sabemos(quem?)que os homens livres tem medo da morte, e que a sabedoria destes está em meditar sobre a vida.
Esse é o espaço em que a vida se transformará em comédia. Fastigiosamente pairamos acima da volúpia e da necessidade, e o luxo de escarnear, é todo nosso.

Bela noite, boa noite. Um prazer !

Ah, isso digo eu, minha amada.